Uma criança me chamou a atenção. Dentro do balde que usava
para por a água que limpava os carros tinha uma bebida alcoólica. De vez em
quando ele ia lá e dava um gole. Limpava mais carros, voltava lá e dava um
gole. Parecia que aquela era a única maneira que ele tinha de fugir da
realidade naquele momento. Assim ele não sentia tanto o desprezo das outras
pessoas, o esquecimento, o não poder tanta coisa.
Aquele menino aparentava ter uns doze anos, baixo,
desnutrido e com um olhar que parecia não sonhar mais. Passava todo o dia
trabalhando na rua. Mesmo cansado, sabia que não podia parar. A noite procurava
algum cantinho para se encostar, naquela dia ele achou apenas um lugar embaixo
de uma árvore, onde já tinha muita gente, mas ele encaixou seu papelão no meio
de todas aquelas pessoas que, muitas vezes, não são vistas como um ser humano.
E todas tentavam descansar. Na rua, no frio, sem um ambiente para sonhar.
Naquele dia passava uma outra criança, quase da mesma idade do menino, que curiosa
questionava a mãe:
- Mãe, olha aquele menino ali, como ele consegue dormir nesse chão duro e frio?
- Foi o lugar que ele encontrou, ele não tem uma casa,
filho.
- E quando chove, para onde ele vai?
- Ah, não sei... Mas
anda logo, que eu ainda vou te comprar o sorvete. Lembra?
A lembrança não pede mais explicações da realidade. Quem conhece a realidade prefere deixá-la passar.
Uns tomam sorvete. Outros dormem na rua.